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Direito e Cultura
Palavras-chave:
DireitoSinopse
Sigmund Freud, em sua reflexão psicanalítica, traduzia a formação do Estado como expressão de força pela qual a supraindividualidade estatal se sobrepunha às liberdades individuais. Regista-se, de pronto, que a produção cultural de per si é, justamente, fruto da criatividade individual. O pai da psicanálise referia que o poder da “comunidade se estabelece como ‘Direito’, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’”[1]. Desse modo, a substituição poder do indivíduo pelo da comunidade constituir-se-ia como o “passo cultural decisivo”.
Fato é que a separação entre Direito e Cultura, ao longo do tempo, ganhou proporções extremadas por pensamentos exclusivistas e doutrinas ortodoxas e, assim, o que deveria ser entendido como relação cooperativa (e não como tensionamento) tornou-se argumento de autoridade para intolerância. O Secretário Especial de Cultura, cargo criado com a extinção do Ministério da Cultura, do Governo nazifascista que ocupou o Poder Executivo federal brasileiro, entre 2018 e 2022, plagiando um discurso do Ministro da Propaganda nazista alemão da década de 1940, sem pudores e sem vergonha, em rede nacional, vociferou: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...] ou então não será nada”.
Errou e desviou-se do marco civilizatório proposto pela Constituição Federal de 1988. A Constituição Cidadã, em seu artigo 215, estabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. É dever estatal proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Políticas públicas, ao seu turno, devem atender a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro, a produção, a promoção e a difusão de bens culturais, a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, a democratização do acesso aos bens de cultura, e a valorização da diversidade étnica e regional.
Em verdade, a inter-relação entre Direito e Cultura é algo indubitavelmente salutar e, em muitos aspectos, fundamental à compreensão de ambas facetas humanas. O Direito (e outros campos do conhecimento) aliado às manifestações culturais se oxigena, se atualiza, e se torna sensível às pessoas, ao tempo e ao espaço em que se situa. A Cultura, enquanto processo de desenvolvimento civilizatório, se constrói, se descontrói e se aperfeiçoa sob balizas jurídicas e valores constitucionalmente almejados. Assim, em planos material e estético, são diversos e inclusivos os potenciais imbricamentos entre manifestações culturais e expressões de múltiplos saberes.
É, nesse sentido, que a presente coletânea de estudos contemporâneos apresenta um amplo e plural panorama. “AÇÃO MANIFESTO SOCIOCULTURAL: UMA TIPOLOGIA PARA EXPLICAR AS DESIGUALDADES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA”, de Marcos Sales Bezerra; “O GOVERNO BOLSONARO E O ‘AUTORITARISMO SOCIALMENTE IMPLANTADO’”, de Amanda Rangel Bittencourt; “PROBLEMÁTICAS RESULTANTES DA ESCOLHA DO TOMBAMENTO COMO MEIO ACAUTELATÓRIO NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: UM ESTUDO DE CASO DO EDIFÍCIO SÃO PEDRO”, de Cheyenne de Oliveira Alencar, Beatriz Carvalho Arruda Bernardino, Francisco Humberto Cunha Filho e Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante; “UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR DAS NARRATIVAS SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ NO QUE TANGE AOS PROCEDIMENTOS DA MEDICINA: O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA APLICADA PELO STF?”, de Luana da Cunha Lopes, Maria Bernadete de Sousa Carvalho Monte, Lucélia Keila Bitencourt Gomes, João de Deus Carvalho Filho, Dariely de Carvalho Monte Amaral, Pedro Eduardo Bitencourt Gomes, Jane Gabriela Soares de Lemos, Geilson Silva Pereira, Maria do Carmo Amaral Brito e Ivonalda Brito de Almeida Morais; “‘UMA FAZENDA GRANDE É UM PEQUENO REINO’: DIREITO PENAL E CASTIGOS ESCRAVISTAS NO BRASIL DO SÉCULO XIX”, de Mario Davi Barbosa, constroem um verdadeiro ecossistema que busca possibilitar reflexões científicas com vista ao aprimoramento e à efetividade social e sustentável do direito à cultura. O livro se encerra com “‘VIDA EM MARTE?’: DESIGUALDADES ESTRUTURAIS E DESENVOLVIMENTO EM XEQUE”, do signatário em coautoria com Cássio Nardão Martin.
Tomando as palavras de Margarezeth Menezes, cantora, compositora e gestora cultural, em sua posse como Ministra da Cultura, após o obscurantismo jurídico e político vivido pelo país, assevera-se que “a cultura é base primordial para a educação […] é fator de desenvolvimento econômico e social, de inclusão e cidadania, mas, acima de tudo, qualifica e conscientiza uma ideia profunda de democracia”.[2] Destarte, mesmo indicando-se que os textos são de responsabilidade exclusiva de seus autores e autoras – não representando, necessariamente, uma opinião ou posicionamento coletivamente assentido –, tem-se na presente complicação educativa a força da criatividade expressa em letras e um potente movimento de resistência cultural nas páginas que seguem.
[1] FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 40.
[2] TV BRASILGOV. Transmissão de cargo no Ministério da Cultura. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yqCu-LBK-LM. Acesso em 06/02/2023.
ISBN: 978-65-5388-102-0
DOI: doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0
Biografia do organizador
Veyzon Campos Muniz - Finalista do Prêmio Jabuti 2022 na Categoria Não Ficção/Artes, com “Direito, Arte e Negritude”. Doutorando no Programa de Doutoramento em Direito Público - Estado Social, Constituição e Pobreza do Instituto Jurídico da Universidade de Coimbra. Mestre e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especializando em Direitos Humanos e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz, Especialista em Direito Tributário pela Universidade Paulista e em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul. Diplomado em Regulação e Melhora Regulatória pela Universidade Nacional Autônoma do México. Certificado em Desenvolvimento Sustentável e Ferramentas para Formulação de Políticas Públicas pela Escola Nacional de Administração Pública. Oficial de Justiça Estadual. E-mail: [email protected].
Capítulos
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AÇÃO MANIFESTO SOCIOCULTURAL: UMA TIPOLOGIA PARA EXPLICAR AS DESIGUALDADES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
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O GOVERNO BOLSONARO E O “AUTORITARISMO SOCIALMENTE IMPLANTADO”
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PROBLEMÁTICAS RESULTANTES DA ESCOLHA DO TOMBAMENTO COMO MEIO ACAUTELATÓRIO NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: UM ESTUDO DE CASO DO EDIFÍCIO SÃO PEDRO
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UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR DAS NARRATIVAS SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ NO QUE TANGE AOS PROCEDIMENTOS DA MEDICINA: O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA APLICADA PELO STF?
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“UMA FAZENDA GRANDE É UM PEQUENO REINO”: DIREITO PENAL E CASTIGOS ESCRAVISTAS NO BRASIL DO SÉCULO XIX
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“VIDA EM MARTE?”: DESIGUALDADES ESTRUTURAIS E DESENVOLVIMENTO EM XEQUE

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